Saudações Leitores!
Há alguns dias li uma matéria publicada no site da revista Época do
O brasileiro não lê. Ao menos é isso que eu tenho escutado. Por
obrigação profissional e por obsessão nas horas vagas, costumo conversar
muito sobre livros. Com uma frequência incômoda, não importa qual é a
formação de quem fala comigo, essa frase se repete. Amigos, taxistas,
colegas jornalistas, escritores e até executivos de editoras já me
disseram que o brasileiro não lê.
Quando temos dificuldade para entender uma frase, uma boa técnica de
aprendizado é repeti-la várias vezes. Um dos meus primeiros professores
de inglês me ensinou isso. Nunca pensei que fosse usar esse truque com
uma frase em português. Mas, depois de ouvir tantas vezes que o
brasileiro não lê, e de discordar tanto dos que dizem isso, resolvi
tentar fazer esse exercício. Talvez enfim eu os entenda. Ou talvez eu me
faça entender.
O brasileiro não lê, mas a quantidade de livros produzidos no Brasil só
cresceu nos últimos anos. Na pesquisa mais recente da Câmara Brasileira
do Livro, a produção anual se aproximava dos 500 milhões de exemplares.
Seriam aproximadamente 2,5 livros para cada brasileiro, se o brasileiro
lesse.
O brasileiro não lê, mas o país é o nono maior mercado editorial do
mundo, com um faturamento de R$ 6,2 bilhões. Editoras estrangeiras têm
desembarcado no país para investir na publicação de livros para os
brasileiros que não leem. Uma das primeiras foi a gigante espanhola
Planeta, em 2003. Naquela época, imagino, os brasileiros já não liam.
Outras editoras vieram depois, no mesmo movimento incompreensível.
O brasileiro não lê, mas desde 2004 o preço médio do livro caiu 40%,
descontada a inflação. Entre os motivos para a queda estão o aumento nas
tiragens, o lançamento de edições mais populares e a chegada dos livros
a um novo público. Um mistério, já que o brasileiro não lê.
O brasileiro não lê – e os poucos que leem, é claro, são os brasileiros
ricos. Mas a coleção de livros de bolso da L&PM, conhecida por suas
edições baratas de clássicos da literatura, vendeu mais de 30 milhões
de exemplares desde 2002. Com seu sucesso, os livros conquistaram pontos
de venda alternativos, como padarias, lojas de conveniência, farmácias e
até açougues. As editoras têm feito um esforço irracional para levar
seu acervo a mais brasileiros que não leem. Algumas já incluíram livros
nos catálogos de venda porta-a-porta de grandes empresas de cosméticos.
Não é preciso nem sair de casa para praticar o hábito de não ler.
O brasileiro não lê, mas vez ou outra aparecem best-sellers por aqui.
Esse é o nome dado aos autores cujos livros muitos brasileiros compram
e, evidentemente, não leem. Uma delas, a carioca Thalita Rebouças, já
vendeu mais de um milhão de exemplares. Seus textos são escritos para
crianças e adolescentes – que, como todos sabemos, trocaram os livros
pelos tablets e só querem saber de games. Outro exemplo é Eduardo Spohr,
que se tornou um fenômeno editorial com seus romances de fantasia. Ele é
o símbolo de uma geração de novos autores do gênero, que escrevem para
centenas de milhares de jovens brasileiros que não leem.
O brasileiro não lê – e, mesmo se lesse, só leria bobagens. Mas, há
poucos meses, um poeta estava entre os mais vendidos do país. Em algumas
livrarias, a antologia Toda poesia, de Paulo Leminski (1944-1989), chegou ao primeiro lugar. Ultrapassou a trilogia Cinquenta tons de cinza, até então a favorita dos brasileiros (e brasileiras) que não leem.
Na semana passada, mais de 40 mil brasileiros (que não leem) eram
esperados no Fórum das Letras de Ouro Preto. Eu estava lá. Nas mesas de
debates, editores discutiam maneiras de tornar o livro mais barato e
autores conversavam sobre a melhor forma de chamar a atenção dos
leitores. Um debate inútil, já que o brasileiro não lê. A partir desta
semana, entre 6 e 16 de junho, a Feira do Livro de Ribeirão Preto (SP)
deve receber mais de 500 mil pessoas. Na próxima segunda-feira (10),
começa a venda de ingressos para a cultuada Festa Literária
Internacional de Paraty, que inspirou festivais semelhantes em várias
outras cidades do país. Haja eventos literários para os brasileiros que
não leem.
Na pesquisa Retratos da Leitura, divulgada no ano passado, metade dos
brasileiros com mais de 5 anos disse não ter lido nenhum livro nos
últimos três meses. É compreensível, num país em que há poucas livrarias,
as bibliotecas públicas estão abandonadas e 20% das pessoas entre 15 e
49 anos são analfabetas funcionais. Mas há outra metade. São 88,2
milhões de leitores. Alguns se dedicam mais à leitura; outros,
provavelmente a maior parte deles, são leitores ocasionais. Há um enorme
potencial para crescimento, mas já é um número animador.
Os brasileiros começaram a ler. Falta começar a mudar o discurso. Em
vez de reclamar dos brasileiros que não leem, os brasileiros que leem
deveriam se esforçar para espalhar o hábito da leitura. Espalhar clichês
pessimistas não vai fazer ninguém abrir um livro.
Eu poderia ter repetido tudo isso para cada pessoa de quem ouvi a mesma
frase feita. Mas resolvi escrever, porque acredito que o brasileiro
lê.
(Danilo Venticinque escreve às terças-feiras)