Salvar o Fogo é um livro intenso e extremamente necessário, que nos coloca frente a frente com as profundas desigualdades sociais e as complexidades das relações humanas no Brasil
Saudações, Leitores!
Hoje trago minha análise sobre Salvar o Fogo, o segundo livro do escritor baiano Itamar Vieira Junior, que continua a me surpreender após o sucesso de Torto Arado que li ano passado. Este novo romance mantém a força e a sensibilidade que caracterizam a escrita de Itamar, ao explorar temas que são ao mesmo tempo particulares e universais.
Porém, vale ressaltar que ele não fez uma mudança muito drástica em relação ao primeiro volume, então, segue - basicamente - o mesmo "roteiro" e trata as temáticas que já foram camadas de seu livro anterior: relação do homem com sua terra, as desigualdades sociais, as desigualdades de gênero e como isso repercute por toda a vida das mulheres, bem como trata também de questões religiosas.
Gosto do fato de Itamar Vieira Junior criar sua narrativa com uma certa complexidade/rebuscamento, mas de forma - igualmente - acessível, pois com o arsenal de livros contemporâneos escritos de forma fluida foi corajoso da parte dele fazer sua construção narrativa de forma mais complexa, histórias dentro de histórias que vão dando camadas mais complexas ao volume, construindo-se aos poucos e no final entrelaçando-se. Isso é algo novo para o autor? Como já disse: Não, foi dessa maneira também em Torto Arado.
Contudo, Salvar o Fogo tem o "diferencial" de ser construído de forma paulatina e sem agressividade, até mesmo as partes mais cruéis são poéticas, fazendo com que o leitor se sensibilize, se coloque dentro do que está acontecendo, isso faz com que nos desperte empatia e que sintamos o que está sendo narrado, fazendo com que fiquemos revoltados e emocionados ao mesmo tempo.
Salvar o Fogo é uma história que acompanha décadas de vida de vários personagens de uma família de trabalhadores rurais de um povoado às margens do rio Paraguaçu (BA) - cenário que Itamar descreve com uma riqueza de detalhe que nos faz sentir a aspereza e a beleza do lugar - e, cada um desses personagens tem histórias que se entrelaçam umas nas outras. Cada narrativa vai nos colocando diante de vários detalhes de uma "teia" que vai se destrinchando e dando profundidade, revelando coisas que estavam imersas nos personagens.
A personagem principal é Luzia, uma mulher que desde muito cedo se depara com todo o tipo de injustiça, preconceito, calúnias e violência que se pode imaginar, efetuadas por pessoas do próprio povoado, ela é vítima da falta de oportunidades e fruto de suas próprias experiências. No entanto, mesmo com uma personagem forte, não fiquei tão comovida por sua história devido seu destino ter sido bastante clichê. Caso a intenção do autor fosse chocar, emocionar e fazer mistério, não conseguiu, pois utilizou-se de um plot twist banal e comum, inclusive, em novelas.
Nesse momento, também quero fazer um adendo pois, na leitura, existem muitas críticas sócioestruturais, por exemplo: fica bem claro que a população do povoado é subjugada pelo poder da igreja católica que é dona de um grande mosteiro no povoado e tem o intuito de atrair jovens para a religião e cobrar os moradores pelas terras que eles vivem.
Acredito que consegui aproveitar muito mais de Salvar o Fogo porque já tinha conhecimento no estilo de narrativa de Itamar Vieira Junior (que é mais rebuscado), mas admito que o autor não foi muito longe do que já tinha apresentado em sua obra anterior, pois os principais pontos já estavam presentes lá. A saber: as duas obras abordam a disputa de terra de famílias que moram no sertão da Bahia, as desigualdades sociais e econômicas, as questões de poder e de gênero, trazendo personagens femininas fortes.
Não obstante, algo presente apenas em Salvar o Fogo (ou pelo menos percebi nesse volume) é relacionado às disputas da Igreja Católica e a opressão que ela causou, disputas que entremeiam questões religiosas, políticas e territoriais, no que tange a má distribuição de terras no país, a desigualdade econômica e as violações sofridas em mosteiros que, supostamente, eram lugares seguros e de educação - que transformaria vidas e daria oportunidades de ascensão social para os mais jovens.
É perceptível a crítica e a dura realidade de quando percebemos as falhas e as contradições daqueles que temos ao nosso redor, inclusive de figuras de autoridade que deveriam proteger e orientar, mas que na verdade subjugam e violentam. Não obstante, se pararmos para pensar, esse tipo de descoberta é dolorosa, mas necessária para o crescimento pessoal, infelizmente.
Salvar o Fogo é um livro excelente. Devorei o volume. Fiquei envolvida, mas a título de novidade não houve (de modo significativo), no entanto, a qualidade, a narrativa, as cenas impactantes e a forma com que fiquei presa definiu a minha experiência com a leitura.
Em suma, Salvar o Fogo é um livro que nos confronta, que nos obriga a olhar para as injustiças que preferimos ignorar. É uma leitura que provoca reflexão e desconforto, mas que também inspira e fortalece. Uma obra essencial para quem busca entender mais sobre a complexidade da vida no Brasil e sobre a força das mulheres que, apesar de tudo, seguem em frente.
Leitura recomendada! Mais uma vez, Itamar Vieira Junior nos presenteia com uma obra que é ao mesmo tempo um espelho e uma janela para realidades que não podem ser ignoradas, no entanto, deixo o alerta para que não esperem algo tão diferente ou muito melhor que Torto Arado pois, na minha opinião, ambos estão quase no mesmo patamar.
Obrigada por lerem até aqui e até o próximo post!
FICHA TÉCNICA |
Título Original: Salvar o Fogo Autor: Itamar Vieira Junior Gênero: Ficção. Drama. Romance. Editora: Todavia Ano: 2024 | 320 págs. País de Origem: Brasil Classificação: +15 Aviso de Conteúdo: Estupro. Violência doméstica. Incêndio. Agressão. Abuso psicológico. Bullying. Minha avaliação:⭐⭐⭐⭐⭐ (5/5) |
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