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Resenha: As Alegrias da Maternidade - Buchi Emecheta

sexta-feira, 20 de março de 2020



As Alegrias da Maternidade, Buchi Emecheta. Porto Alegre: Dublinense, 2018, 320 págs.

Tradução: Heloísa Jahn
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Saudações Leitores!
As Alegrias da Maternidade (The Joys of Motherhood, 1979) da escritora nigeriana Buchi Emecheta (1944-2017), cujo nome real era Florence Onyebuchi Emecheta, foi um livro que eu tive o prazer de ler graças ao fato dele ter sido indicado pela escritora - também nigeriana - Chimamanda Nhozi Adichie, que já sou muito fã.

Ler As Alegrias da Maternidade foi uma experiência única em vários sentidos, pois tive o prazer de comprar o volume na Bienal do Ceará em 2019 e lê-lo alternando entre sua versão física, em audiobook (durante minhas caminhadas) e audiolbook e livro físico simultaneamente. Sem dúvida fiz uma das leituras mais imersivas da minha vida. (Posso falar dessa experiência em outro momento, pois neste momento vou falar do livro em si).


Sua alegria era saber que criara os filhos, mesmo que no começo não tivesse nada, e que aqueles mesmos filhos um dia poderiam andar ombro a ombro com os grandes homens da Nigéria. Era essa a recompensa que esperava


A história em si já começa de uma forma impactante, com a tentativa de suicídio de Nnu Ego, filha do amor de um chefe de uma tribo igbo na região de Ibuza e caçador de elefantes, chamado Agbadi, com sua amante Ona.

Deus do céu, eu aqui felicíssimo por ter recebido outra oportunidade de viver mais tempo e a tola daquela mulher querendo pôr um fim na existência antes de seu Criador estar pronto para recebê-la. Que coisa mais variada, esse negócio de viver...

Toda essa primeira cena nos pega desprevenidos e ficamos cheios de questionamentos, mas para compreendemos profundamente o que vai ser relatado, Buchi Emecheta, volta no tempo para falar dos pais de Nnu Ego e do amor entre eles, além dos costumes e tradições da tribo igbo.

É a partir desse momento que somos posicionados numa Nigéria em transição entre os antigos costumes e os novos costumes trazidos pelo branco (o inglês). Há um verdadeiro choque cultural entre o passado tribal, a cultura da região, as tradições, a submissão das mulheres, o poder patriarcal dos homens, as tradições ancestrais, a reverencia e respeito aos  mais velhos; e os novos costumes introduzidos na geração de Nnu Ego, principalmente quando ela saiu de Ibuza e foi morar em lagos com seu marido Nnaife.


A narrativa se passa no decorrer de vários anos, tendo início no ano de 1934, em Lagos na Colônia Britânica da Nigéria, e vamos acompanhando juntamente com a saga de vida de Nnu Ego e sua família, as transformações, desafios e história da Nigéria, bem como quando os homens tem que partir para a Segunda Guerra Mundial, mesmo sem entenderem que guerra era a quela e os motivos pelos quais tinham que participar dela!

É inacreditável. Já ouvi falar de coisas desse tipo acontecerem com outras pessoas, mas nunca achei que pudesse acontecer com alguém que eu conheço. Porque eles não lutam suas próprias guerras sozinhos? Por que arrastar africanos inocentes como nós para o meio?

Apesar dos fatos históricos extremamente marcantes - o que torna As Alegrias da Maternidade um romance histórico - vamos acompanhar de perto todos os desafios de Nnu Ego para "cumprir seu destino de ser mãe", afinal essa era a "obrigação" das mulheres da época e daquela cultura, e mais: tinha que dar um filho homem, caso contrário talvez nem fossem consideradas mães.

Mas mesmo quando Nnu Ego consegue finalmente ser mãe e realizar o tão desejado sonho, surgem outros problemas como ter que superar a pobreza, a falta de emprego do marido, a falta de moradia, os problemas e doenças dos filhos, o medo de criar bem os filhos e quando as coisas parecem estar se acertando algum novo desafio aparece: seja mais um filho, mais pobreza, contas para pagar, ou a guerra.

Enquanto voltava para o quarto, ocorreu a Nnu Ego que ela era uma prisioneira: aprisionada pelo amor por seus filhos, aprisionada em seu papel de esposa mais velha. Dela, não se esperava nem que pedisse mais dinheiro para família; essa atitude seria considerada inferior ao padrão esperado de uma mulher em sua posição. Não era justo, ela achava, o modo como os espertos dos homens usavam o sentido de responsabilidade de uma mulher para escravizá-la na prática. eles sabiam que nunca passaria pela cabeça de uma esposa tradicional como ela a ideia de abandonar os filhos.


O fato é que As Alegrias da Maternidade mesmo sendo ficção, traz um relato real de milhares de mulheres da época, que tinham que casar mesmo sem amor ou sem conhecer seus maridos, tinham que lidar com a cobrança social de ter um filho homem e de cuidar dele com alegria sempre. Como se a maternidade fosse a consumação da felicidade. Fosse tudo o que uma mulher poderia desejar ou o "lugar" mais alto ao qual poderiam ir.

Quanto às minhas filhas, elas vão ter de tomar suas próprias decisões neste mundo.Não estou disposta a ficar aqui e deixar que me enlouqueçam só porque não tenho filhos homens. Do jeito que todos insistem com isso, até parece que sei onde os filhos são feitos e que fui negligente por não proporcionar nenhum ao meu marido. Até parece que nunca tive um filho antes. As pessoas esquecem. Bem, se as minhas filhas não puderem me perdoar quando crescerem, vai ser uma pena. De todo modo, quando eu morrer vou ser jogada fora, enquanto pessoas como você, esposa mais velha, criam raízes, como dizem; você será enterrada adequadamente no alojamento de Nnaife.

Não posso deixar de comentar que acompanhar a história dessa mulher, dessa mãe, Nnu Ego me deixou com o coração emocionado e partido ao mesmo tempo, ver o sofrimento, resiliência, determinação e coragem que ela tinha para amar e criar os filhos não me deixa dúvida de que as mulheres são extremamente fortes e podem superar praticamente tudo, mas ao mesmo tempo partiu meu coração porque acabei percebendo que a vida da mulher é cheia de dores. Além do mais vi minha vó, minha mãe e eu em alguns pensamentos e situações aqui narradas.

Fora criada para acreditar que os filhos fazem uma mulher. Tivera filhos, nove no total e, por sorte, sete deles estavam vivos,bem mais do que muitas mulheres da época podiam se gabar de ter. [...]. Mesmo assim, como poderia saber que quando seus filhos crescessem os valores de seus país, de seu povo e de sua tribo teriam mudado tão drasticamente, a ponto de uma mulher com muitos filhos talvez ter de enfrentar uma velhice solitária, quem sabe uma morte miserável na mais total solidão, exatamente como uma mulher estéril?


A vida de um ser humano é uma sucessão de batalhas travadas diariamente e para as mulheres essas lutas são ainda mais árduas, pois quando fazem algo grande, geralmente, quem recebe o mérito é outro homem, mas quando há erros, comumente, a culpa recai na mulher. Ver essa realidade ali exposta em As Alegrias da Maternidade, causa um desconforto, uma revolta e uma sensação de impotência.

Só que quanto mais eu penso no assunto, mas me dou conta de que nós, mulheres, fixamos modelos impossíveis para nós mesmas. Que tornamos a vida intolerável umas para as outras. Não consigo corresponder a nossos modelos, esposa mais velha. Por isso preciso criar os meus próprios.

Um ponto que preciso comentar é que, pela narrativa ser em terceira pessoa é possível o leitor perceber uma visão mais ampla e descentralizada do "umbigo" de apenas um personagem, pois apesar de compreendermos que a história principal e a protagonista é Nnu Ego, torna-se possível depreender os sentimentos dos demais personagens como Nnaife e os próprios filhos da personagem, de modo que, é provável sentirmos empatia por seus sentimentos e pensamentos.

Como na vida, em As Alegrias da Maternidade não temos um vilão específico a não ser o tempo, as transformações e as escolhas que cada personagem faz, é isso que dá continuidade e seguimento a esta história, e é bem possível percebermos as dores, sofrimento e arrependimentos de Nnu Ego com sua "profissão" de ser mãe e estar sempre mais presente na vida dos filhos, sem viver uma vida própria; mas também percebemos a decepção e angustias de Nnaife que, provavelmente, está "colhendo" os frutos de sua ausência e sua falta de tato com os filhos e esposa.

Era tudo tão desesperador que Nnu Ego simplesmente desmontou e se entregou à autopiedade. Até Oshia, seu filho, a culpava. Claro que para ele o pai era um herói. Ela, para o pobre garoto, era uma mulher que reclamava o tempo todo, sempre preocupada. Ah, Deus, por favor, melhor acabar com ela, juntamente com os bebês que está esperando, que deixar as crianças em relação às quais nutrira tantas esperanças enchê-la de mágoa.



As Alegrias da Maternidade é uma verdadeira lição de vida e, para mim, foi um verdadeiro desafio lê-lo, pois em muitos momentos me vi na tentação de apontar o dedo e julgar o que estava lendo segundo minha posição, minha cultura e minhas próprias ideias sociais, por isso ficava o tempo lembrando a mim mesma que aquela história era a representação de uma cultura diferente da minha e que se passagem em uma época diferente da minha. Fazer essa leitura foi um verdadeiro exercício de se pôr no lugar e na época de uma cultura e sociedade que desconhecia.

Seu amor pelos filhos e seu sentimento de dever para com eles eram como as correntes que a mantinham em sua escravidão. Os homens... A única coisa em que eles estavam interessados era em bebês homens para dar continuidade ao seu nome. Mas por acaso uma mulher não precisava trazer ao mundo a mulher-bebê que mais tarde gerar e os filhos? "Deus, quando você irá criar uma mulher que se sinta satisfeita com sua própria pessoa, um ser humano pleno, não o apêndice de alguém? 

Além dos ensinamentos e reflexões que As Alegrias da Maternidade propõe ainda pude depreender que é extremamente difícil não fazer julgamento algum, não apontar o dedo e querer dar nossa opinião sobre alguma coisa. Definitivamente, sai dessa leitura transformada e cheia de sentimentos conflitantes.

A alegria de ser mãe era alegria de dar tudo aos filhos, diziam.

Indubitavelmente As Alegrias da Maternidade foi o livro mais visceral que já li na vida e sei que minha tentativa de resenhá-lo não faz jus ao que essa leitura realmente é, então, por favor, leia-o!

Sou uma prisioneira de minha própria carne e de meu próprio sangue. Será que essa é uma posição tão invejável assim? Os homens nos fazem acreditar que precisamos desejar filhos ou morrer. Foi por isso que quando eu perdi meu primeiro filho eu quis a morte,,Por que não foram capaz de corresponder ao modelo esperado de mim pelos homens de minha vida, meu pai e meu marido, e agora tenho que incluir também meus filhos. Mas quem foi que escreveu a lei que nos proíbe de investir nossas esperanças e nossas filhas? Nós, mulheres, corroboramos essa lei mais que ninguém. Enquanto não mudarmos isso, este mundo continuará sendo um mundo de homens, mundo esse que as mulheres sempre ajudarão a controle.

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