Saudações Leitores!
Gosto de livros que nos fazem questionar e pensar em muitas coisas dentro daquela história na medida em que vamos lendo e O Gigante Enterrado* me proporcionou esse sentimento. O livro foi recentemente lançado pela Companhia das Letras que me enviou uma prova do mesmo para que eu pudesse resenhar, agora vocês conferem abaixo o resultado da leitura.
O Gigante Enterrado, Kazuo
Ishiguro, São Paulo: Companhia das Letras, 2015, 400 pág.
Traduzido por Sonia
Moreira
O
Gigante Enterrado (2015, The Buried Giant) é um livro de Kazuo
Ishiguro, que há 10 anos sem escrever presenteia, novamente, seus leitores com
mais uma obra. Ishiguro é nasceu no Japão, mas erradicou-se na Inglaterra.
Trata-se de um escritor com romances premiados e já adaptados cinematograficamente,
escreveu o livro Não Me Abandone Jamais, Noturnos, Quando Éramos Órfãos e Os
Resíduos do Dia.
Logo
no começo da obra começamos a acompanhar um casal de idosos Axl e
Beatrice que saem do lugar onde moram para ir a procura de seu filho, já
que estão há anos sem se encontrarem. Portanto, a narrativa fala sobre essa
viagem do casal, os percalços, as aventuras e descobertas.
É
interessante ressaltar que a história se passa em uma terra marcada por guerras
e há algo místico onde os personagens não conseguem se lembrar quem são e nem
de seus passados com exatidão. No princípio do livro pensei que isso se dava
porque o casal era idoso, com o desenrolar da narrativa percebi que havia um
mistério, uma névoa (como os personagens chamam) de esquecimento que se
alastrou por todas as pessoas, com o prosseguimento da narrativa, vão surgindo
outros personagens que acompanham o casal de idosos nessa jornada, que acaba
mudando completamente de rumo.
"É muito esquisito mesmo como o mundo está esquecendo das pessoas e de coisas que aconteceram ontem ou anteontem. É como se uma doença tivesse contagiado a todos nós." (p.27)
Nesse
ínterim, surgem o guerreiro Wistan, o menino aprendiz Edwin, e o cavaleiro de
Artur, Sir Gawain. Todos os personagens juntos debatem sobre diversas temáticas
e conceitos que nos fazem questionar e recordar um pouco da nossa própria vida.
Ficamos a par que a névoa do esquecimento é fruto do bafo da dragoa, que deve
ser morta para que todos possam recordar de seu passado.
Na
medida em que essa viagem torna-se uma aventura e ao mesmo tempo algo além do
que Axl e Beatrice imaginaram ao sair da comunidade em que moravam, vamos
percebendo descobrindo fatos sobre a vida de cada um dos personagens que de
certa forma estão todos ligados, mas que por conta da névoa, jamais poderiam
saber, tais detalhes vão se delineando em sonhos, pequenas recordações, coisas
que aparentemente os próprios personagens têm dúvida se o que lembram é/foi
real ou não.
"Eu me pergunto se, sem as nossas lembranças, o nosso amor não está condenado a murchar e morrer." (p.59)
Esse é
um ponto genial do livro, porque o leitor se coloca sob a névoa do esquecimento
também, ou seja, não somos apenas leitores passivos, nós acabamos participando
dessa narrativa, estamos sob o efeito da névoa, não recordamos o nosso passado,
que é o passado da humanidade, porque nem toda a história possível seria capaz
de nos fazer lembrar todas as vitórias, guerras, perdas e dores pelas quais a
humanidade já passou.
"Se as nossas lembranças voltarem e, entre elas, a de momentos em que te desapontei, ou de atos condenáveis que eu um dia possa ter cometido e que a façam olhar para mim e não enxergar mais o homem que você está vendo agora, me prometa uma coisa pelo menos: prometa, princesa, que não vai esquecer o que sente por mim no fundo do seu coração neste momento. Pois de que adianta uma lembrança voltar da névoa se for para apagar outra? Você me promete isso, princesa? Promete que vai guardar para sempre no seu coração o que está sentindo por mim agora, não importa o que você veja quando a névoa passar?" (p.320)
Sem
dúvida, O Gigante Enterrado, é um desses livros que nos fazem
refletir sobre nossa própria história, sobre tudo aquilo que esquecemos e já
não somos mais capazes de lembrar. Durante toda a leitura me deparei com temas
absurdamente fantásticos e passíveis de um estudo mais aprofundado, de uma
pesquisa e análise literária, sem dúvida, se eu tivesse algum artigo para fazer
sobre algum livro, eu escolheria esse.
Não
vou dizer que a leitura é fácil, leve, fluida, os livros de Ishiguro, pelo
menos o que já tinha lido anteriormente (Não Me Abandone Jamais) não é uma
leitura fácil e bonitinha, é uma narrativa lenta, lenta como uma viagem a pé,
para fazer o leitor pensar e assimilar o que está lendo. Kazuo Ishiguro tem uma
narrativa madura, um estilo próprio, um jeito lento de contar estórias e uma
forma peculiar de misturar realidade, ficção e elementos fantásticos/absurdos.
"_Axl, me dia uma coisa, se a dragoa morrer mesmo e a névoa começar a se dissipar... Axl, você alguma vez já teve medo do que nós vamos descobrir quando isso acontecer?
_ Mas você mesma não disse, princesa, que a nossa vida juntos é como uma história com final feliz, não importa que curvas ela tenha feito no caminho." (p.308)
O
leitor tem que se entregar a essa leitura para poder tentar recuperar sua
essência, não é apenas uma leitura para entreter e passar o tempo, é um livro
para inquietar. Apesar de eu ter gostado muito, sei e reconheço que o livro
pode não agradar a todo tipo de leitor, acredito que é uma leitura madura,
complexa e metafórica que merece ser observada, sobretudo, as entrelinhas, o
não-dito.
Para
concluir, quero ressaltar o próprio título do livro O Gigante Enterrado, daria um
bom estudo sobre o que é o gigante enterrado e o porquê desse título tão
metafórico, Fabuloso desde a escolha do título ao seu desenvolvimento.
"O gigante, que antes estava bem enterrado, agora se remexe." (p.369)
Minha
experiência anterior com o escritor, fez-me apreciar bem mais esse livro do que
o anterior, porque antes eu não sabia que estilo de narrativa esperar e agora,
bem mais preparada e mais madura literalmente e literariamente, inclinei-me a
apreciação da obra e gostei, não obstante, creio que em alguns momentosa
narrativa se tornou brevemente maçante, mas o escritor soube contornar esse
detalhe, com partes bastante eletrizantes e misteriosas. No fim da leitura
fiquei com saudade, confesso que fiquei afeiçoada aos personagens – sobretudo
ao casal de idosos – e chegar ao fim, com aquele Fim, me deixou saudosista.
*Esse livro foi cortesia da Companhia das Letras, para maiores informações acerca do mesmo acesse AQUI.