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Resenha: Doce Lar - Tillie Cole

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Doce Lar, Tillie Cole, São Paulo: Planeta do Brasil (Essência), 2018, 320 pág.
Tradução: Flavia Souto Maior
COMPRAR: Amazon

Saudações Leitores!
Doce Lar cujo título original é Sweet Home, trata-se do primeiro livro da Série Sweet - que aparentemente é composta por cinco volumes - escrita por Tillie Cole, mesma autora de Mil Beijos de Garoto, livro que, particularmente, me desidratou e gostei muito. Contudo, esse novo lançamento da escritora foi, para esta que vos escreve, um verdadeiro banho de água fria.

De início vou falar um pouco sobre o que encontramos no enredo do primeiro New Adult de Tillie Cole: vamos acompanhar a história de Molly Shakespeare que, com apenas 20 anos, já passou por muita coisa. Logo quando criança perdeu a mãe e o pai; já na adolescência perdeu a avó (o último membro de sua família) então, Molly se tornou uma mulher forte, inteligente, independente e está deixando Oxford, na Inglaterra, para ir para a Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, e viver a experiência de um intercâmbio a fim de finalizar suas pesquisas para o doutorado.

É nessa "nova vida" que Molly vai se deparar com o jogador de futebol americano (o Alabama tem um cultura muito forte de Futebol Americano, quase como se fosse um religião) chamado Romeo Price (Rome), que além de bonito e popular é absolutamente podre de rico e TODAS as garotas da faculdade são loucas por ele, obviamente, ele já saiu com a maioria delas.
Mesmo sendo um casal improvável, pois os dois são muito diferentes, algo muito intenso e forte acontece com eles e a química, a paixão, o amor se tornam inevitáveis. É claro que para completar o clichê não poderia faltar os antagonistas: a ex-namorada (também rica), bonita, sexy e líder de torcida Shelly que vive correndo atrás do Rome - como se ela não tivesse amor próprio e não se valorizasse nenhum pouquinho - e tentando atrapalhar o novo casal. Para completar, os pais de Rome também não apoiam a relação e vão fazer um inferno da vida dele. É obvio que Rome é visto como um cara cheio de problemas, mesmo tendo nascido em berço de ouro, já o único problema de Molly parece ser  o fato de ser pobre, ninguém valoriza o quanto ela é esforçada e venceu na vida por méritos próprios.

Logo no começo da leitura de Doce Lar eu estava gostando muito, pois apresentou uma personagem forte, madura e que lutava por seus sonhos, mesmo após sofrer tantas perdas, mas no decorrer da narrativa o livro vai se tornando intragável: Molly se torna uma personagem fraca, submissa, indecisa, passiva e que sempre necessita ser salva o tempo todo pelo Rome, e o pior: foge quando surgem problemas e essa característica que no começo do livro era inexistente se tornou bem preponderante nela, como se fosse rotina.
"Eu vou te comer, mas também vou fazer amor com você. Vou ser dono de cada parte de sua alma, e nunca vou te deixar ir embora. Você vai gritar meu nome várias vezes, até ele ficar permanentemente alojado em sua maldita garganta. Você não vai ser apenas uma transa para mim, Mol - você vai ser minha salvação, porra!"
Já Rome sempre pareceu o mesmo desde o começo do livro e não mudou quase nada: machista, controlador, prepotente, cheio de direitos, violento e quase um sádico. Mas com todas estas características que mostram problemas psicológicos enormes, ele é visto como um cara normal, pois essas são as características ideais para os homens nesse livro. Tudo o que o Rome faz durante o livro todo - até as coisas mais absurdas - são consideradas coisas normais e até mesmo fofas, mas quando é Molly que foge de algo ou faz alguma coisa ela é a culpada e quase crucificada.
Existe algo terrivelmente disseminado nesse livro: o comportamento violento e bruto de Rome é visto como normal. A passividade e a objetificação de Molly é vista como prova de amor. Não sei se choro ou reviro os olhos mais uma vez, pois foram muitas reviradas de olhos durante toda essa leitura. Juro que segui lendo Doce Lar até o final porque tinha esperança de que poderia haver uma reviravolta que fizesse todas aquelas merdas páginas que li valerem a pena, mas a conclusão é que o livro é muito ruim mesmo.
"[...] Eu adorava a forma como ele me controlava, e meu corpo tremia de satisfação a cada ordem."
Acredito que nem como entretenimento esse livro funcione direito, pois as ideias e concepções que existem por traz são inaceitáveis, sobretudo diante de um mundo tão violento e agressivo como o que vivemos hoje, ver a romantização do abuso em um livro é assustador: a intenção da Tillie Cole é perceptível: ela quer que suspiremos e nos apaixonemos pelo casal Rome e Molly, sendo que este casal está numa relação toda errada e abusiva, para completar Tillie foi bastante irresponsável fazer seus personagens transarem pela primeira vez sem preservativo (Molly era quase uma mocinha, só tinha transado uma única vez na vida) e Molly simplesmente pediu para que Rome não se prevenisse, queria sentí-lo completamente... Que lindo, não é mesmo? Não. Rome tinha uma vida ativa muito grande e o cara ia pra cama com todas as mulheres, Molly pedir para transar sem preservativo foi assustador, pois não estamos falando apenas de gravidez, mas de se preservar contra DSTs. Mas para Tillie parece que é bem normal na primeira relação não usar camisinha.
Doce Lar foi a leitura mais frustrante do ano, até este momento, tenho aquela sensação de que um livro como este é um desserviço para a sociedade, essa romantização do abuso, é como se tornasse esse tipo de relação algo correto, como se fosse normal e aceitável ter uma relação abusiva, quando sabemos, por estatísticas, que, numa grande maioria das vezes, já é tão difícil reconhecer estar em uma relação assim, portanto, quando lemos um livro desses e vemos isso na cara e percebemos que várias pessoas vão ler isso e achar normal esse tipo de comportamento numa relação me assusta. Esse tipo de relação mostrada nesse livro não é normal. Não é correta. Não é ideal. Escritores: parem de romantizar o abuso!

Durante boa parte da leitura eu desejei que Molly - tão independente e inteligente - percebesse o tipo de enrascada que estava envolvida e pulasse fora o quanto antes ou ajudasse a fazer com que Rome percebesse que tinha problemas psicológicos e necessitava fazer tratamento, mas quando ela aceitou "de bom grado" (nas palavras expressas no livro) ser propriedade de Rome eu desisti de Doce Lar,  soube, nesse momento, que este livro não teria jeito de melhorar... Mas piorou, piorou e muito: Molly foi tratada como objeto, foi violentada verbalmente pela família de Rome,  pelos amigos e pelo próprio Rome que sempre tinha um palavrão quando ia falar com ela, Molly não podia falar com nenhum outro homem pois Rome não aceitava e quebrava a cara de qualquer pessoa que falasse ou tocasse nela, Rome dizia que Molly só podia fazer as coisas que ele mandasse, que ele tinha sempre que estar no controle e ela considerava isso o máximo. Para completar, mesmo dando prazer a Molly em alguns momentos da relação sexual com a garota ele era violento e a machucava, depois pedia desculpas... como se isso resolvesse todo o problema. Não.  Além disso ele era tão possessivo em relação a ela que é quase possível imaginar algum tipo de crime passional caso eles terminassem.
"_Não sou sádico, então pode tirar essa expressão de seu rostinho lindo. Só gosto de ficar no controle... eu não sei... Eu sou assim. Minha vida é cheia de merdas sobre as quais não tenho poder, então preciso controlar as coisas nas quais sou bom. Só preciso ter segurança de que estou no comando. Sou um bom quarterback porque gosto de liderar, comandar o espetáculo. É a mesma coisa com sexo. _Gostei de como você assumiu o controle. Estou tão acostumada a ter que ser independente e autossuficiente, sempre tomando as decisões, e odeio isso. Foi... libertador me entregar a você, entregar as rédeas._Você é minha agora, Mol. Sabe disso, não sabe?_Sim, sou sua."
Fiquei enojada desse livro, peguei um ranço muito grande da Tillie Cole - que até então eu admirava como escritora -  e, certamente quando qualquer outro livro dela for publicado no Brasil irei pensar milhares de vezes se irei ler ou não... Se for dessa Série Sweet vou passar beeeeeeem longe. Ainda estou chocada com o fato desse livro ter sido publicado. Achei Doce Lar tão cheio de mensagens negativas e ilusões amorosas cheias de abusos que só consigo lamentar e sentir vergonha alheia da Tillie. Livro ridículo.
Eu poderia dar muitos outros argumentos com motivos que me fizeram detestar este livro, mas vou ficar por aqui, acho que consegui expressar que a visão de Tillie Cole vai muito de encontro com o senso comum de uma visão machista: os homens são os donos do mundo e todos seus comportamentos são aceitáveis; as mulheres tem que se subjugar e serem controladas pelos seus parceiros, assim podem usufruir de pequenos prazeres e alguns orgasmos, mesmo a maioria do tempo tendo que ficar com medo do namorado explodir: quebrar a cara de alguém, destruir uma academia... coisas desse tipo.
"Virei propriedade dele com aquele beijo, e me submeti a isso de bom grado." 
Rome se comporta de forma violenta e agressiva porque sofreu com os pais, não é amado e tem todos os motivos para ser desse jeito. Tadinho: Rome é a vítima. Já a órfã da Molly é a vilã: tem culpa por ser pobre, tem culpa por fugir do Rome que a ama muito, pois foi uma sorte muito grande ela encontrar alguém que a amasse... Sobretudo um bonito e talentoso jogador de futebol americano (SIM ESTOU SENDO SARCÁSTICA) o fato de a vida dela ser uma vida sofrida não é motivo de orgulho. Ahhhhhhhh faça-me o favor. Tillie Cole, vamos conversar sobre feminismo, sobre relações abusivas, sobre a romantização disso, sobre os assédios sexuais que boa parte das mulheres sofrem, sobretudo porque os homens não sabem ouvir um não...

Para completar, depois de uns fatos horríveis e trágicos no final do livro Tillie Cole tentou redimir Rome e torná-lo alguém cheio de espiritualidade, romântico e responsável, teria até funcionado se não tivesse sido tão repentino, mas sim, um processo. Ficou tão superficial que deu vontade de gargalhar da palhaçada.
"Romeo Prince era um caleidoscópio humano. Ele me fodia como se me odiasse, mas sua adoração e seu amor nunca ficavam longe demais da superfície _ e eu não conseguia imaginá-lo de nenhuma outra forma."
Simplesmente enojada. 
Caso alguém tenha lido esse livro e tenha achando bom, lindo e suspirado por um relacionamento assim, é melhor repensar sobre o tipo de relacionamento que deseja, e também é importante termos uma visão mais crítica sobre o que lemos, nem tudo o que está nos livros é algo bom e ideal...

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