Sobre Minha Filha é um livro que mostra que nem todo afeto vem sem conflitos, e que amar alguém, de verdade, pode significar também desconstruir a si mesmo.
Saudações, Leitores!
Passando os olhos na minha estante para escolher minha próxima leitura eis que me deparo com o título Sobre Minha Filha e fiquei absurdamente com vontade de ler e fui até na Amazon ver quando o comprei (Maio de 2023) e decidi embarcar na leitura que prometia ser rápida e envolvente. O volume foi escrito pela sul-coreana Kim Hye-Jin, uma autora que vem ganhando notoriedade internacional por sua escrita densa, provocativa e socialmente comprometida. Este é o primeiro livro da autora publicado no Brasil e também meu primeiro contato com sua obra, e posso afirmar com segurança que foi uma leitura impactante e necessária. Kim Hye-Jin já publicou outros romances em seu país natal e é reconhecida por suas narrativas que questionam os pilares tradicionais da sociedade coreana, abordando com coragem temas como feminismo, velhice, sexualidade e desigualdade social. Queria muito que no Brasil fosse publicado outros livros dela.
Neste romance, especificamente, temos um mergulho intimista e afiado nas relações familiares, com foco em uma mãe de meia-idade e sua filha adulta, Green, que volta a morar com ela após perder o emprego. Green é lésbica, vive um relacionamento com outra mulher mais velha, e suas escolhas de vida entram em confronto direto com os valores da mãe, uma mulher que, embora não seja hostil, carrega consigo o peso de uma educação conservadora, enraizada nas convenções sociais da Coreia do Sul.
Sobre Minha Filha não é apenas um romance sobre sexualidade ou homofobia, mas sim sobre conflito geracional, preconceitos silenciosos, afetos condicionados e os limites entre o amor incondicional e a aceitação real. É um livro que fala, sobretudo, sobre o que não é dito, ou seja, sobre os silêncios que constroem abismos entre mães e filhas, mesmo quando o amor está ali, presente, mas sufocado por julgamentos e incompreensões.
A narrativa é contada inteiramente sob a perspectiva da mãe, o que nos força a acompanhar o desconforto dessa mulher comum, solitária, exausta com o trabalho em uma casa de repouso, e que precisa, aos poucos, confrontar seus próprios valores e medos diante da presença da filha e de sua companheira, sobretudo com a dificuldade de entender as escolhas da filha e a preocupação dela não viver uma vida tradicional e ficar solitária na velhice a exemplo de uma mulher que ela cuida na casa de repouso.
É válido ressaltar que a escolha de narrar tudo sob esse ponto de vista, o da mãe, torna a leitura muitas vezes incômoda e esse é exatamente o ponto forte do romance, porque apesar de desconfortável é algo necessário, sobretudo numa vivência conservadora. É interessante porque fiquei pensando, durante a leitura, que as duas personagens, a mãe e a filha, estão, de certo modo, certas em suas posturas porque elas são fruto de seu tempo, de suas experiências e do que foram ensinadas então é normal existir o choque geracional. A autora não oferece conforto, nem respostas fáceis. Ela joga luz sobre as contradições da maternidade, da moral e do afeto.
O impacto de Sobre Minha Filha está justamente na forma como Kim Hye-Jin nos apresenta o preconceito não como algo gritante, mas como algo banalizado, escondido em olhares, julgamentos silenciosos e gestos pequenos, mas carregados de significados e não estou me referindo apenas ao preconceito sexual, mas também em relação ao envelhecimento, quando as pessoas se tornam tão frágeis como quando nasceram.
Kim Hye-Jin consegue, com uma prosa sóbria, limpa e profundamente observadora, captar as fragilidades humanas, se lançando em uma investigação delicada da velhice, da maternidade e dos choques entre passado e presente, tradição e liberdade, expectativas e realidade.
Vale ressaltar que o volume é curto, apenas 144 páginas e que dá para se ler em um dia, porém, escolhi fazer pausas durante a leitura e o finalizei em dois dias para poder absorver mais do seu conteúdo e refletir sobre o que estava lendo. A narrativa me surpreendeu bastante porque, como se trata de um livro asiático e já li alguns bem diretos, esse apesar de curto é extremamente profundo e nos faz mergulhar nas emoções da mãe protagonista, sendo uma narrativa bastante psicológica e até mesmo um tanto poética, mas bem sutil.
Definitivamente, Sobre Minha Filha é um daqueles livros que nos deixam reflexivos mesmo após o término da leitura. É um romance que convida à autorreflexão e ao incômodo e é justamente por esse desconforto que sua leitura se torna tão poderosa e necessária. Um livro que fala de dor, mas também de amor. Um livro que mostra que nem todo afeto vem sem conflitos, e que amar alguém, de verdade, pode significar também desconstruir a si mesmo.
FICHA TÉCNICA |
Título Original: Ddalae Dae-ha-yeo Autor: Kim Hye-Jin Tradutor: Hyo Jeong Sung Gênero: Ficção. Drama. Editora: Fósforo Ano: 2017-2022 | 144 págs. País de Origem: Coreia do Sul Classificação: +15 Aviso de Conteúdo: Homofobia. Relacionamento Sáfico. Envelhecimento. Luto. Asilo de Idosos. Preconceito. Minha avaliação:⭐⭐⭐⭐⭐(5/5) |
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